As histórias dizem muito sobre um lugar... Do que se é e o que se pode ser!
E foi com este objetivo que resolvi descobrir um pouco mais sobre a história da Ilha. Na verdade, fazer um resgate da história e, assim, tornar o conhecimento histórico em instrumento de valorização local mostrando que a história é feita por pessoas comuns e que todos fazemos parte dela.
Foi em uma manhã nublada que, ao caminhar pela praia, avistei uma família armada com barra de ferro fazendo buracos enormes no coral que se formou no casco do Barco Afundado no Balneário Recanto.
A princípio fiquei indignada com a atitude desta família: que falta de consciência ambiental!
Só depois caiu a ficha... De repente eles nem sabiam que aquilo era um coral. Poderia ser sujeira ou seja lá o que podem ter pensado.
E é aí que está a importância de se conhecer a história local. Pois se os próprio moradores soubessem do que aconteceu ali, iriam informar o valor natural e a importância de sua preservação.
Foi, então, que saí por aí perguntando a história do tal barco afundado.
Não foi fácil, poucas pessoas sabiam o que, realmente, havia acontecido... Ouvi várias versões do acontecido, mas todas acabavam sendo uma história só, com detalhes ou ponto de vista pessoais.
Reuni tudo e, agora, conto (e mostro) pra vocês...
Foi um barco pesqueiro. Desses que arrastam nosso litoral em busca de camarão.
Estava no auge do seu vigor. Com o porão abarrotado de camarões.
O piloto e toda a tripulação do barco eram de Santa Catarina e estavam praticando arrasto em nosso litoral.
E é aqui que surgem as primeiras divergências na história...
Há quem diga que foi uma tempestade que o empurrou para a costa. Outros me disseram que o mestre do barco dormiu enquanto pilotava (dormiu! dormiu?) e há a versão que eu escolhi para contar por acreditar ser a mais próxima da nossa realidade, já que este tipo de pesca é predatório e nos causa transtornos sem fim. Mas isso já é outra história...
Na história que ouvi, o barco camaroeiro, em desacordo à lei ambiental e aproveitando a falta absoluta de fiscalização, estava praticando arrasto à menos 1,5 milhas da costa e, vítima da própria ganância, acabou encalhando em um banco de areia.
Assim que encalhou a maré começou a baixar e ele acabou ficando preso de vez!
Diversos esforços foram feitos para retirá-lo...
Primeiro veio um reboque para águas mais profundas, sem êxito.
Depois máquinas pesadas tentaram trazê-lo para a praia... Novo fracasso!
A maré começou a subir, a ondulação aumentou e as ondas foram batendo no barco arrebentando-o todo... Então o proprietário decidiu abandoná-lo.
Mas, antes de abandonar o navio, retiraram todo o camarão que abarrotava o porão do arpoador, algo em torno de 1,5 toneladas de pescado.
Vários caiçaras ajudaram na retirada do camarão que durou a madrugada toda.
10 anos depois é isso o que restou do barco de 11 metros que se encontra enterrado bem na margem da praia no Balneário Recanto (em frente a prefeitura).
Como disse um dos "contadores" desta história: "A NATUREZA DÁ, A NATUREZA TIRA!"
Ele some e reaparece de acordo com a maré, Muitas vezes está submerso e outras totalmente visível, dá pra chegar pertinho e observar o que restou do "monstro do mar".
Hoje, o Barco Afundado é patrimônio ecológico e cultural de Ilha Comprida...
Ao longo dos anos esses corais foram revestindo toda a superfície do barco e executando uma simbiose com todo este complexo sistema marinho que nos rodeia.
Esses corais abrigam diversas espécies marinhas como pequenos peixes e siris.
As aves aproveitam a abundancia do lugar para se alimentar e é comum observar garças, quero-queros e gaivotas pescando tranquilamente por ali...Quando a maré sobe um pouco mais, os caiçaras colocam puçás em sua proximidade para pegar siris.
Eis, então, a importância da preservação e conservação desses corais...
Cada pedacinho que é destruído leva anos para se restaurar e desencadeia um desequilíbrio para todas as espécies que dependem dele.
Vale lembrar que um coral, apesar da aparência, é um ser vivo e merece todo cuidado e respeito.
Este é um dos buracos causado pela família de "desatentos" no coral do Barco Afundado
Essa é a história do famoso Barco Afundado do Recanto. Provavelmente, é a primeira vez que ela é registrada...
Espero que se espalhe e vire uma história de conhecimento geral...
De quem mora e de quem adora a Ilha. Assim teremos a responsabilidade da preservação da memória e do bem natural!!!
Agradeço aos colaboradores Sérgio Salé, Renan Sass, Gil Bahia e tantos outros que ajudaram, de alguma forma, para que esta lembrança virasse uma história!
E no YouTube tem vídeo mostrando o barco bem de pertinho, passa por lá ;)